Arquiteta e Urbanista
Esp. Desenho Ambiental e Arquitetura da Paisagem.
Em 1986, então com quatorze anos, defini o meu futuro, caminhando pelas ruas do “Centro da Cidade” (ainda chamávamos o Centro Velho de São Paulo assim), era tudo tão lindo, todos os elementos relevantes coexistiam ali: as vielas em suas proporções agradáveis de gabaritos oscilantes, onde o sol por ora surgia ou se omitia, a história, seus personagens, a beleza de uma arquitetura que remontava ao século passado, com todos os seus cheios e vazios, contornos típicos do ecletismo paulistano, espelhado na escola francesa.
Todo o dinheiro de São Paulo e suas instituições bancárias estavam por ali, que desde a falência do Banco Haspa, que na minha infância mesmo sem eu entender muito bem, soube que tinha levado consigo o meu cofrinho, era ostentado no entra e sai dos homens de negócio que andavam apressados por aquelas ruas, pensando agora, até nisto, ainda existia algum glamour.
Mas não foi fácil, obter o diploma, na década de 90, não era para qualquer um, cheguei até a ouvir algumas pérolas do tipo – também quem mandou escolher curso de rico – como se vocação escolhesse berço. Para minha sorte, no ano de 1994, uma instituição abriria inscrição, pela primeira vez em minha região, para o curso de arquitetura e urbanismo, meu sonho, e melhor, no período da noite, desta forma poderia continuar a trabalhar, pois um curso deste, mesmo que em uma instituição pública, seria impossível de se manter sem um bom salário, material e livros eram caros, mas maravilhosos!Depois de muitas idas e vindas me formei convicta, de ter feito a escolha certa, afinal, a demanda por moradia no Brasil era imensa, jamais ficaria desempregada, daí surgiu minha primeira grande descoberta, em São Paulo se construía muito timidamente para a população de maior demanda, a baixa.
Comecei a entender melhor como funcionava a cidade, a conhecer os mecanismos de espoliação, me preparei ainda mais, enquanto os meus colegas saíam de férias, eu estudava e me especializava e desenvolvia o meu trabalho em diversas vertentes do mercado, o que foi ótimo, pois me permitiu ter uma visão mais holística da situação.Já nos anos 2000, mais madura e segura, passei a compartilhar o meu preparo de forma mais incisiva, afinal, parecia que o Brasil, país do futuro, estava mais próximo do presente.
Quitei meu financiamento estudantil, comprei meu carro, minha casa, abri minha empresa, entrei no mercado imobiliário, tão sonhado, com a minha visão de urbanista, analisava o entorno antes de implantar um empreendimento, e qual não foi a minha consternação ao perceber que este tipo de análise não era considerada uma qualidade no meu ramo, pois enquanto todos se debruçavam para dentro projeto eu me preocupava com a acessibilidade, vizinhança, elementos naturais, circulação, mas me parecia óbvio que não se podia edificar em um bairro como se estivéssemos dentro de um cubo.
Com a implementação do Estatuto da Cidade, fiquei mais tranquila, afinal, todas as minhas preocupações poderiam ser contempladas agora, existia o Estudo de Impacto de Vizinhança, o Estudo de Impacto Ambiental, o Plano Diretor era obrigatório para quase todas as cidades, a participação popular, a cidade para os cidadãos, tudo o que meus Mestres me faziam considerar ao propor uma intervenção, que momento feliz.Agora quase quinze anos depois, me deparo com um ciclo-vicioso de incompetências, o Estado falido, privatizou o mercado popular e a sua obrigação de ofertar moradia para a baixa renda, o que se tornou um filão no mercado, logo se mostrou como um caleidoscópio de equívocos.
Todos os bancos abriram os seus cofres para pagar por isto, sem preparo para suas análises para além do retorno de seus investimentos, os municípios e o próprio estado, estamparam a falta de qualificação técnica dos seus funcionários de análise e aprovação e as propinas passaram a compor o salário mensal de parte destes, gerando até morte, em alguns municípios de São Paulo.A contrapartida obrigatória para a implantação destes empreendimentos se mostrou tão dispendiosa e sua aprovação tão em longo prazo, que pela primeira vez os espoliadores se viram tomando do próprio veneno, afinal, não legaram as construções para a baixa renda para as periferias, agora, com a transferência de responsabilidade do público para o privado, teriam que pagar por isto levando infraestrutura para os confins das regiões metropolitanas.
A mão de obra semianalfabeta que sempre garantiu boa margem dos lucros, agora passa a ser um entrave ao desenvolvimento e as empresas correm para alfabetizá-los, treiná-los, socializá-los e aí eles mudam de emprego, afinal é a lei do mercado, oferta e procura, os insumos e materiais não são produzidos como se espera e a crescente onda de aumento em seus preços onera ainda mais as planilhas de custos dos empreendedores.
E o pior, as construtoras escorregaram em um princípio básico do comércio, o que importa é o cliente, e para estes um imóvel é um lar e não um produto, diferente de outras décadas, atrás das grandes decisões destas incorporadoras e construtoras temos hoje businessmen em busca de valorização de suas ações a qualquer custo, não importa quantas empresas, clientes ou empregos sucumbam por isto. Eles ainda não entenderam que ganho bom é o possível, não o que se pretende, o mundo mudou.
Bem este é apenas um desabafo para uma reflexão futura, sobre o país do presente, que sediará a Rio+20, a Copa e as Olimpíadas, mas não tem moradia, hotéis, transporte, aeroportos, estádio e ainda vive no passado, achando que o Brasil tem muitos anos para chegar, quando na verdade ele já atrasou.
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